Modelo hidrodinâmico – Conceitos (2 de 6)

Atualmente, é muito difícil encontrar estudos de gestão ambiental de ambientes costeiros e bacia hidrográficas que não utilizem modelos numéricos para previsão e análise de qualidade dos recursos hídricos. Assim como em projetos de obras costeiras, lançamento de efluentes e estudos de avaliação de impacto para o processo de licenciamento ambiental.

Por isso, e cada vez mais, os modelos hidrodinâmicos ambientais são ferramentas indispensáveis à gestão e ao planejamento de ações em corpos de água naturais, pois permitem analisar processos relativos a três fenômenos de interesse (ROSMAN, 2001):

  1. Circulação Hidrodinâmica: avalia a alterações em Quantidades de Movimento (massa × velocidade), que geram variações em níveis de água e correntes;
  2. Qualidade das Águas: avalia o transporte de substâncias que geram alteração nos constituintes das águas e sua qualidade;
  3. Processos Sedimentológicos: avalia os ciclos de erosão, transporte e deposição de sedimentos que geram a evolução da morfologia, ou a morfodinâmica.

O objetivo dos modelos é computar movimentos, transportes, escoamentos e fluxos da água e seus constituintes, como gases, salinidade, nutrientes, calor, sedimentos, etc. E, na análise de qualquer um destes fenômenos ou processos, a base fundamental é o modelo hidrodinâmico!!

Como já vimos no post anterior, o fenômeno a ser estudado pode ser representado por uma linguagem físico-matemática que será capaz de calculá-lo, são as chamadas equações governantes.

No caso da modelagem hidrodinâmica, a mecânica do movimento para escoamento em regime turbulento é governada pelas Equações de Navier-Stokes. (E agora vocês acabam de descobrir de onde saiu o nome da minha empresa kkkk). Tais equações representam o princípio da conservação da quantidade de movimento, e, em conjunto com a equação da continuidade, uma equação de estado e uma equação de transporte para cada constituinte da equação de estado, compõem o modelo matemático fundamental para qualquer corpo d’água (ROSMAN, 2001).

A resolução destas equações, através da modelagem numérica, ocorre na seguinte sequência:

  1. Domínio numérico: definir os limites da região que se deseja solucionar as equações governantes;
  2. Condições de contorno: definir os dados de entrada que serão impostos como forçamentos do modelo hidrodinâmico;
  3. Malha numérica: discretizar o domínio numérico em um número finito de pontos;
  4. Solução numérica: calcular as equações governantes em cada ponto da grade numérica a partir das condições iniciais e de contorno impostas do domínio numérico.

Ainda está muito abstrato e difícil de entender? Bora desenhar!!!

Quando eu falo “cenário X de forçamento”, me refiro às condições que serão impostas nos contornos abertos para forçar o modelo. Geralmente, em um estudo hidrodinâmico, se simulam vários cenários hidrodinâmicos variando as condições impostas nos contornos abertos, por exemplo:

  • Cenário A: Vazão de pico e maré astronômica de sizígia;
  • Cenário B: Vazão media e maré astronômica de quadratura;
  • Cenário C: Vazão de pico e evento de maré meteorológica elevada… e por aí vai.

As combinações destes dados de entrada utilizados para forçar o modelo variam de acordo com o objetivo do estudo e do ambiente que está sendo simulado.

A abrangência do domínio numérico geralmente precisa ser bem mais ampla do que a área de interesse em si. Isso ocorre porque para representar de forma satisfatória a hidrodinâmica mesmo de uma região pequena, é necessário englobar e processar forçantes regionais, de maior escala, mas que exercem influência no processo local simulado.

Outras vezes, os limites do domínio numérico são definidos por uma questão operacional mesmo, de disponibilização de dados. No exemplo mostrado a cima, a localização de uma estação de medição de dados fluviais em um determinado trecho do rio provavelmente determinaria o ponto de forçamento da CC lateral aberta e, consequentemente, a abrangência do domínio numérico.

Mas, vale ressaltar que, mesmo em modelos numéricos onde são inseridos valores de condições iniciais, o tempo de aquecimento do modelo existe, apenas será menor. Esse tempo pode variar de acordo com a abrangência do seu domínio e formulações do seu modelo.

Para modelos costeiros de águas rasas e abrangência local, que são os modelos que geralmente implemento na empresa, 1 mês de simulação é mais que suficiente para aquecer o modelo. Já para a simulação que implementei na minha tese de doutorado (RS até RJ), por exemplo, foi necessário 1 ano de simulação para aquecer todo o domínio e o modelo começar a produzir resultados confiáveis.

Recapitulando: O sistema de equações governantes da hidrodinâmica (Navier-Stokes) apresenta grande complexidade matemática, cuja soluções analíticas não podem ser obtidas. A modelagem numérica visa solucionar esta limitação a partir da discretização do espaço contínuo em um número finito de pontos (grade numérica), permitindo uma solução aproximada para o sistema de equações governantes, a partir de condições iniciais e de contorno.   

Já disse e repito, todo modelo numérico ambiental segue essa estrutura, independente do software ou código a ser aplicado. 

Portanto, sempre que se for iniciar a configuração de um modelo numérico hidrodinâmico, responda primeiro a estas 3 questões:
 1 - Quais processos regem a dinâmica do ambiente de interesse e, portanto, com quais dados vou forçar o meu modelo?
 2 - Com base nos processos que regem meu ambiente, qual deve ser o domínio do meu modelo?
 3 - E dentro do meu domínio, qual a resolução espacial (malha numérica) e temporal (passo de tempo) que melhor resolve os processos que preciso descrever? 

E agora sim, depois dessa descrição dos conceitos básicos feita nesse post e no anterior, no próximo eu vou mostrar a implementação completa de um modelo numérico, na prática. 

Para ler o próximo post da série onde descrevo o passo a passo da implementação de um modelo numérico hidrodinâmico, clique aqui. 

PS: A fonte citada abaixo, pra mim, é o melhor material (em português) sobre modelos numéricos hidrodinâmicos. Ao mesmo tempo que é extremamente didático e salva a vida de quem está começando, se aprofunda em alguns aspectos mais avançados da modelagem. Super indico a todos aqueles que me pedem material de estudo no tema.   

Fontes citadas:

ROSMAN, P. C.C. Um Sistema Computacional de Hidrodinâmica Ambiental – Capítulo 1 (pp 1-161) do livro Métodos Numéricos em Recursos Hídricos, Vol. 5. Editora ABRH e Fundação COPPETEC. 2001.

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