Conceitualmente, a malha ou grade numérica é a representação geométrica do domínio de cálculo. É a posição discreta na qual as variáveis serão calculadas. As equações do modelo serão resolvidas em TODOS os pontos da grade numérica, para cada passo de tempo.
Fazendo aqui uma analogia de um modelo numérico com o corpo humano, eu diria que o dado de entrada (forçantes) é o coração que move e dá vida ao modelo. Enquanto a grade numérica funciona como o sistema vascular, que recebe, transforma e transporta os dados recebidos. É o caminho por onde esses dados irão fluir.
Por isso a etapa de construção da grade é uma das mais importantes no processo de implementação de um modelo numérico.
Os dois pontos críticos que primeiro precisam ser definidos para dar início a construção da grade são:
- Abrangência do domínio e;
- Resolução espacial
E estes dois pontos se definem a partir de uma única pergunta: Qual o processo/fenômeno principal que seu modelo busca resolver?
Por exemplo, a discretização numérica espacial (e também temporal) de um modelo que tem como objetivo avaliar taxas de elevação do nível médio do mar será diferente de uma simulação para prever alterações morfológicas sazonais de uma praia. Além dos fenômenos analisados em si apresentarem escalas distintas de ocorrência, as forçantes que o geram também possuem naturezas específicas. Com isso, tanto a escala de abrangência quanto o nível de detalhamento do domínio numérico precisam se moldar ao processo principal que se busca resolver.
Quando uma discretização numérica é definida para um modelo, as escalas resolvíveis são naturalmente impostas, definindo quais fenômenos podem ser resolvidos.
A resolução espacial é dada pela distância entre dois nós da malha numérica. Portanto, quanto menor a distância entre os nós, melhor será a resolução da grade e maior será a quantidade de pontos onde serão resolvidas as equações do modelo. Na figura abaixo, a grade B possui resolução 4X maior que a grade A.
Porém, quanto melhor a resolução do seu modelo, maior será também o tempo necessário para executá-lo e a capacidade computacional requerida para armazenar os resultados. Por isso, o ideal não é construir uma grade com a melhor resolução possível, e sim, avaliar qual é a resolução ideal para o processo que o seu modelo busca resolver.
Formalmente, com base no teorema de amostragem de Nyquist, em um modelo numérico, as escalas não resolvíveis em uma dada dimensão são todas as escalas menores que o dobro da escala de discretização no espaço (∆x, ∆y, ∆z) e tempo (∆t). Por exemplo: se o incremento de tempo é ∆t, qualquer fenômeno com período ou duração menor que 2∆t será não resolvível; qualquer vórtice horizontal, pluma efluente ou mancha de óleo com dimensões menores que 2(∆x2+∆y2)½ será não resolvível. Na prática, para ser razoavelmente resolvido em uma malha ou grade numérica, o fenômeno precisa ter uma escala pelo menos 4 vezes maior que a escala de discretização. E, para ser bem resolvido de fato, o fenômeno deve ser pelo menos 8 vezes maior que a escala de discretização (ROSMAN, 2001).
O primeiro e mais fundamental passo de calibração é checar se as escalas características dos fenômenos de interesse e as escalas de discretização do modelo são compatíveis. O mesmo vale para a discretização também no domínio do tempo. Frequentemente quando os resultados do modelo não representam bem os dados medidos, parte das causas está na discretização espacial e/ou temporal inadequada. Este é também o principal motivo pelo qual algumas vezes os resultados do modelo parecem muito suavizados ou bem comportados quando comparados aos dados medidos (ROSMAN, 2001).
Com a abrangência e resolução do domínio numérico definidas, pode-se então dar-se início a construção da grade.
Do ponto de vista numérico, a grade precisa também obedecer alguns parâmetros estruturais e de qualidade a fim de minimizar ao máximo a ocorrência de erros e ruídos numéricos (que podem se empilhar a cada passo de tempo em que os cálculos são realizados). Cada modelo tem descrito em seu manual quais são estes parâmetros e seus respectivos valores desejáveis. Os principais parâmetros aplicados são: ortogonalidade (para grades estruturadas), resolução, suavidade e proporcionalidade.
Recapitulando: Para obter bons resultados de uma simulação, é imprescindível que o modelador se atente a construir uma grade numérica com abrangência e resolução compatíveis com o processo a ser estudado, e que obedeça aos parâmetros de qualidade definidos no manual do modelo. Qualquer dúvida ou sugestão, me manda um e-mail. Bora trocar!
Fonte citada:
ROSMAN, P. C.C. Um Sistema Computacional de Hidrodinâmica Ambiental – Capítulo 1 (pp 1-161) do livro Métodos Numéricos em Recursos Hídricos, Vol. 5. Editora ABRH e Fundação COPPETEC. 2001.